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Universitárias trans se mobilizam por mais inclusão no ensino superior

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Em 2018, a articuladora da Rede Trans Brasil Ariela Nascimento foi aprovada para estudar Pedagogia na Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). No mesmo ano, Vênus Anjos ingressou na Universidade Federal Fluminense (UFF) para frequentar o curso de Ciências Sociais. Três anos depois, em 2021, foi a vez de Zuri Moura começar a estudar Serviço Social, na Escola de Serviço Social, também da UFF. 

As três universitárias representam o pequeno grupo de pessoas transexuais e travestis que  conseguiram uma vaga no ensino superior, apesar da discriminação e das dificuldades de acesso, permanência e conclusão do ensino básico. “A universidade foi o local onde vivenciei o peso da solidão de ser uma travesti negra naquele espaço. Assim, amadureci a consciência de que aqueles muros não foram feitos para educar corpos como o meu e busquei a transgressão”, compartilha Zuri em entrevista à Agência Brasil. 

Em 2022, a aluna idealizou e fundou a Rede Transvesti UFFiana. No último ano, o coletivo de estudantes trans, do qual fazem parte também Ariela e Vênus, teve um papel fundamental na defesa da criação e aprovação de uma política de reserva de vagas para pessoas trans e travestis na UFF. “Hoje, nós temos a possibilidade de sonhar. Temos a possibilidade de transgredir, sendo assim, vamos construir um novo patamar de dignidade social para a nossa população”, afirma Zuri. 

Atualmente aluna de Ciências Sociais na UFF, Ariela defende que as cotas para pessoas trans e travestis, assim como as demais políticas de ações afirmativas, são medidas essenciais de reparação histórica e social, sendo uma luta pela garantia da educação. Por meio da iniciativa, a articuladora da Rede Trans Brasil acredita que será possível “naturalizar e impactar a vida da população transvestigeneres [pessoas trans, travestis, não binárias e intersexo] em nosso país”. 

“Para isso ela não pode ser pensada isoladamente. As cotas trans devem ser vistas e pensadas ao lado de uma política de permanência, para não acontecer o mesmo erro que há na educação básica. Somos poucas ainda que conseguem vencer a guerra da educação básica para chegar até aqui, não podemos fazer com que, no ensino superior, as nossas desistam de continuar porque a política social e econômica em nosso país ainda não nos coloca no centro”, diz Ariela. 

Cotas para pessoas trans e travestis

Em setembro de 2024, a UFF se tornou a primeira instituição federal de ensino superior do Rio de Janeiro a aprovar uma política de cotas para a comunidade trans. Com a decisão, 2% das vagas dos cursos de graduação passam a ser reservadas para alunos e alunas trans e travestis a partir de 2025. Já na pós-graduação, que reúne os programas de mestrado e doutorado, todos os cursos passam a disponibilizar pelo menos uma vaga para estudantes trans. Antes da aprovação da medida pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão, 18 cursos de pós-graduação da Universidade já contavam com vagas reservadas para esse grupo.

“A UFF se tornou pioneira na adoção de políticas de ações afirmativas para pessoas trans e travestis nos cursos de graduação em todo estado do Rio de Janeiro, sendo um marco para reparar historicamente essa população segregada do acesso ao ensino superior por meio da violência transfóbica. No entanto, precisamos pensar que essa população ainda se encontra em diversos cenários de precarização da sua vida, sendo emergencial um programa de permanência desses corpos na universidade”, diz Zuri.

Falta de informações

Há poucos dados que possam mensurar o tamanho dessa exclusão. No ensino superior, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), pessoas trans representam apenas 0,3% dos universitários nas instituições federais do Brasil. Apesar de ser o mais recente sobre o tema, o estudo, divulgado em 2021, analisou dados da V Pesquisa Nacional de Perfil Socioeconômico e Cultural dos Estudantes de Graduação das Instituições Federais de Ensino Superior Brasileiras, de 2018. Naquela época, o retrato era de que os cursos das áreas de Ciências Humanas (21%), Ciências Sociais Aplicadas (17%) e Ciências Exatas e da Terra (15%) concentravam mais da metade (54%) da amostra de estudantes trans na época.

Questionado pela Agência Brasil sobre a presença de pessoas trans nos cursos de graduação, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) respondeu que “não há quesito específico para coleta desse dado nas pesquisas estatísticas do instituto”. 

Em resposta a um pedido de acesso à informação, o órgão ainda explicou que o Censo da Educação Superior possui somente informação sobre o gênero binário (feminino/masculino) dos alunos, não sendo possível informar se o aluno é transgênero. “Os questionários da pesquisa censitária passam continuamente por revisão, sendo possível que nas próximas edições o Censo amplie o rol de informações sobre o gênero do aluno. Mas, no momento, não temos informação pleitada”, diz o Instituto. 

Também questionada pela Agência Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) afirmou que não dispõe de informações sobre pessoas trans na pós-graduação stricto sensu, que se refere aos cursos de mestrado e doutorado. Em nota, a fundação do Ministério da Educação (MEC) informou que planeja a realização do Censo da Pós-Graduação neste ano, com coleta de dados demográficos e relacionados às condições socioeconômicas, culturais, étnico-raciais, de gênero e da educação especial, além de informações relacionadas às atuações por áreas de conhecimento. 

“Assim, o país terá dados e um mapeamento da diversidade para induzir e valorizar a implementação de políticas de ações afirmativas voltadas aos grupos sub-representados no âmbito da pós-graduação, incluindo aí as pessoas trans”, informou a Capes, ressaltando que o censo servirá para embasar tomadas de decisões e condução de políticas públicas, em especial as de ações afirmativas. 

Garantias

“Todo conjunto da sociedade contribui para a marginalização dos nossos corpos, sejam as instituições religiosas, as famílias e, sobretudo, a inércia do Estado brasileiro na implementação e formulação de políticas públicas específicas que promovam dignidade e direitos às pessoas trans”, defende Vênus. 

A aluna de Ciências Sociais também questiona a falta de bolsas de permanência e pesquisa para a população trans e travesti no ensino superior, destacando a necessidade de avançar com a garantia de direitos humanos para essa comunidade: “Queremos pesquisar, produzir e receber por isso. A prostituição não pode ser mais um destino”.

Aos futuros estudantes que ingressam nas universidades públicas em 2025, com o resultado do Sistema de Seleção Unificada (SISU) em janeiro deste ano, Vênus aconselha: “Venham sem medo”.

 

*Estagiária sob supervisão de Vinícius Lisboa



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Situação dos rios em Mata Atlântica é preocupante, aponta pesquisa

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Pesquisa da Fundação SOS Mata Atlântica coletou dados em 112 rios durante o ano de 2024, em 14 estados com incidência de Mata Atlântica, e percebeu ligeira piora e estagnação em alguns pontos, e poucos registros de melhora, restritos a projetos pioneiros, além de um aumento pequeno mas sensível de pontos em que a qualidade das águas foi considerada ruim.

O estudo recebeu apoio de uma rede de voluntários e cobriu 145 pontos de coleta em 67 municípios do Nordeste ao Sul do país, 18 pontos a mais do que o estudo anterior, com dados coletados em 2023. 

Em 7,6% dos pontos (11), as amostras apresentaram qualidade boa, enquanto 13,8% (20) foram classificados como ruins e 3,4% (5) atingiram a pior classificação, péssima. 

A predominância da qualidade regular, em 75,2% dos pontos (109), reforça o alerta sobre a vulnerabilidade dos recursos hídricos na Mata Atlântica, segundo o relatório. 

A melhor classificação, ótima, não foi encontrada em nenhum ponto de medição. São 16 parâmetros analisados, que remetem à Resolução 357/05 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

O levantamento produziu uma métrica batizada de Índice de Qualidade da Água (IQA), que atesta que os rios com qualidade ótima ou boa contam com condições adequadas para abastecimento, produção de alimentos e vida aquática equilibrada, enquanto aqueles classificados como regulares já apresentam impactos ambientais que podem comprometer seu uso para consumo ou lazer. 

Nos rios com qualidade ruim ou péssima, a poluição atinge níveis críticos, prejudicando tanto a biodiversidade quanto a população que depende desses recursos hídricos, e a saúde pública. É o caso do Rio Pinheiros, em São Paulo, há pelo menos 5 décadas com ocupação intensiva e despejo de esgoto direto. 

No começo dos anos 1960 ainda era possível navegar e pescar nele, assim como em centenas de rios menores, que foram canalizados na cidade, história que a TV Brasil contou em reportagem.

Soluções

“Por enquanto, o que a gente tem observado avançando a partir do marco legal do saneamento, de 2020, é o processo de privatização das empresas de saneamento, mas não necessariamente os investimentos estão aparecendo. O rio nos conta tudo, e ele está nos contando que ainda faltam esses investimentos”, explica Gustavo Veronesi, coordenador do programa Observando os Rios na SOS Mata Atlântica. 

“Também [o rio] nos conta que com as soluções tradicionais talvez a gente não chegue em 2033, que o marco preconiza como a data em que a gente tem que ter 99% das pessoas com acesso à água e 90% das pessoas com acesso à coleta e tratamento de esgoto”, alerta.

Para Veronesi, as soluções convencionais não vão dar conta, em um cenário de emergências climáticas, sendo necessário aplicar soluções alternativas para atingir a universalização do saneamento, viáveis em áreas rurais ou em cenários isolados dentro de grandes cidades. 

“São comunidades isoladas, pequenas comunidades, em que o investimento para se levar a tubulações, quilômetros de tubulações para se coletar esse esgoto, não são viáveis”, diz o pesquisador.


São Paulo (SP), 20/03/2025 - Parque Municipal da Fonte com nascente na Travessa da Fonte, Vila Pirajussara.  Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
São Paulo (SP), 20/03/2025 - Parque Municipal da Fonte com nascente na Travessa da Fonte, Vila Pirajussara.  Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Parque Municipal da Fonte com nascente na Travessa da Fonte, Vila Pirajussara, instalou um Tanque de Evapotranspiração – Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Uma dessas iniciativas para melhorar a qualidade de rios acontece no coração da maior cidade do país, São Paulo, no Butantã. O bairro na zona oeste é cortado por diversos riachos e córregos. Alguns deles correm próximos e afloram  em uma fonte, com construções que nos remetem a antes da ocupação portuguesa. 

O Parque da Fonte Peabiru, em um terreno tombado, tornado de utilidade pública e municipalizado após décadas de luta da comunidade do Morro do Querosene, enfrentou por muitos anos poluição de esgoto doméstico, uma vez que a rede de saneamento da Sabesp não atendia a todas as casas do bairro. 

Em um projeto apoiado pela SOS Mata Atlântica e organizado por moradores, foi construído um sistema para descontaminação do Córrego da Fonte constituído por uma pequena rede coletora desse esgoto que o despeja em um Tanque de Evapotranspiração (Tevap), isolado do lençol freático. É um projeto de permacultura com conceitos de Soluções Baseadas na Natureza, que impede que os efluentes de cerca de 30 pessoas sejam lançados no parque, que ainda não foi oficialmente aberto à população.

Parte dos moradores se junta todo domingo de manhã para limpeza e melhorias no espaço. Moradora da região há algumas décadas, Cecília Pellegrini considera que esse tipo de esforço, de soluções no micro, são necessárias. 

“Nós do bairro convivíamos com o mau-cheiro e a poluição, mas desde dezembro, quando terminamos o sistema Tevap, o problema acabou. A água está limpa. É o tipo de solução que representa o futuro, que trata aqui, no local, ao invés de jogar esse esgoto para ser tratado longe, com perda e contaminação no caminho”, comemora Cecília Pellegrini. 

Para Cecília, é uma solução que ainda beneficia o bairro com bananeiras, girassóis e uma dezena de plantas que fazem a filtragem e devolvem a umidade ao entorno, que conta com árvores centenárias e o carinho da comunidade.


São Paulo (SP), 20/03/2025 - Cecília Pellegrini no Parque Municipal da Fonte com nascente na Travessa da Fonte, Vila Pirajussara.  Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil
São Paulo (SP), 20/03/2025 - Cecília Pellegrini no Parque Municipal da Fonte com nascente na Travessa da Fonte, Vila Pirajussara.  Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

Cecília Pellegrini participou do projeto de descontaminação do Córrego da Fonte, no Parque Municipal da Fonte – Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil

O estudo reforça que a insuficiência das estruturas de saneamento básico ainda é o principal elemento a determinar a ausência de melhorias. Cerca de 35 milhões de brasileiros seguem sem acesso à água potável e metade da população do país não têm tratamento de esgoto. 

Foram identificados casos pontuais de melhoria, que “demonstram o potencial de recuperação quando há mobilização e políticas adequadas, mas exige um esforço coordenado entre sociedade, governos e empresas”, segundo a pesquisa. 

Um desses exemplos é o Córrego Trapicheiros, na cidade do Rio de Janeiro, que apresentou uma melhora de qualidade regular para boa, assim como os rios Sergipe e do Sal, em Sergipe. Em São Paulo, o Córrego São José, na capital, saiu da classificação ruim para regular. O relatório apontou a piora no Rio Capibaribe, em Pernambuco, e no Rio Capivari, em Florianópolis, onde houve impacto significativo de despejo irregular de esgoto. 

“A ausência de fiscalização adequada e a expansão urbana desordenada contribuem para esse cenário de degradação progressiva”, denunciam os pesquisadores.

Para Malu Ribeiro, diretora de Políticas Públicas da SOS Mata Atlântica, o Brasil ainda enfrenta dificuldades para integrar políticas de água, clima, meio ambiente e saneamento, “um desafio essencial para a gestão sustentável dos recursos hídricos”.

“A sociedade civil precisa estar cada vez mais ativa nos comitês de bacias hidrográficas e na defesa da água limpa, porque o cenário não melhora sozinho. Enquanto a ONU reforça a urgência de políticas integradas até 2030, o Brasil ainda precisa avançar para transformar compromissos em ações concretas. O retrato da qualidade da água dos rios da Mata Atlântica, construído por meio da ciência cidadã, reforça essa necessidade e evidencia o papel crucial da mobilização social para garantir um futuro sustentável para todos”, destaca a diretora.

Para Veronesi, essa participação também passa pela pressão direta com o poder público municipal, que é o titular do saneamento e responsável pelas políticas públicas e obras, assim como pelas concessões, quando ocorrem. 

“Também as pessoas podem cobrar das empresas das quais elas consomem produtos, porque muitas vezes a gente esquece das empresas nesse processo”, defende Veronesi.

De acordo com o pesquisador, “se a gente pensar o saneamento como quatro pilares, água potável para as pessoas, coleta e tratamento de esgoto, disposição adequada dos resíduos sólidos urbanos e o manejo das águas da chuva, nesse quesito dos resíduos, as empresas são fundamentais”.

Veronesi avalia que a disposição dos resíduos sólidos, como embalagens, é importante na poluição dos rios do bioma, e seu manejo fica muitas vezes sem um responsável definitivo, entre empresas e prefeituras.

Outro fator importante e pouco considerado na região de Mata Atlântica, segundo Veronesi, é o controle de agrotóxicos e outros agentes químicos, que chama atenção geralmente em situações limite, como acidentes com grande mortandade de peixes, mas normalmente não é feito com a constância necessária. 

Veronesi acredita que além de medidas mais urgentes, há medidas de longo prazo que são importantes para melhorar esse cenário.

“A gente precisa de nascentes de rios protegidas, a gente precisa das margens dos nossos rios protegidos, com mata ciliar, com parques lineares, parando o desmatamento e restaurando florestas, inclusive em áreas urbanas”, defende Veronesi.



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